26.4.09

Beatriz da Fonte Seca Só

Essa é a história de Beatriz da Fonte Seca e de Carlos Barcas, ou é a história Só da Beatriz da Fonte Seca, já que de Carlos mesmo, o Físico, tem muito pouco. Por outro lado, penso que talvez seja complicado chamar essa história de Só da Beatriz da Fonte Seca, já que a pobrezinha não tinha controle nenhum sobre a forma como os acontecimentos se desenrolavam.

Foi assim que sucedeu.

Beatriz da Fonte Seca Só acontecia quando via Carlos Barcas Físico. As palavras de um eram como que cartas que encontravam destinatário certo no outro. A menina ia somando infinito com infinito e via, sem muito esforço, que se colocasse Beatriz da Fonte Seca com Carlos Barcas em fogo brando juntos em uma panela grande, iria ter um lauto banquete que orgulharia só pelo cheiro. Só.

Acontece que se na conta que tinha feito tinha o infinito, o número de vezes que Beatriz da Fonte Seca e que o Carlos Barcas Físico se encontravam era bem finito. O reduzido era de só umas duas ou três vezes. Só.

Mas Beatriz Só era uma mulher de dotes. Era mesmo, pois além de cozinheira de mão cheia sabia bordar como ninguém. Esses dotes ela não fazia quando era obrigação, só gostava mesmo quando estava inspirada. Só.

Só Beatriz bordava igrejinha em cima de colina tão bonita, o dia tinha sol e núvem, e os convidados ficavam todos dentro do templo que apesar de pequeno dava pra uma infinidade de gente. Tanto era que as mães perdiam suas cabeças enquanto brigavam com as crianças para que ficassem sentadas nos bancos enquanto esperassem. Beatriz ficava do lado de fora, esperando Carlos Imaterial chegar, Só.

Só Beatriz bordava casa com parede pintada de branco com tanto esmero. Tinha grama e cachorro, e as crianças corriam de um lado pro outro dentro da casa arrumada. Era uma gritaria só. Beatriz e Carlos cismaram, na doideira mesmo que é a vida, de terem cinco filhos. Quem disse que era fácil aquela história de procurar aquela criançada toda pra dar banho ou colocar dentro de ônibus escolar? Quando finalmente se conseguia arrumar quatro, uma sumia. Quando achava uma, todas as outras estavam correndo em desalinho. Beatriz esperava na cozinha, Carlos Imaterial chegar do trabalho, Só.

E aquela história que não era da Beatriz de verdade, já tinha tantos bordados que a Beatriz Só percebia que nem lembrava mais do Carlos Barcas Físico. Pois que tinha acontecido a tantos bordados atrás, que ela procurava em vão pelo Carlos Original apenas tentando lembrar do que se tratava aquele monte todo de pano. E foi que Só se encontrou. Só.

Demorou um tanto até que a Beatriz da Fonte Seca encontrasse qualquer Carlos bordado em qualquer canto. Sim, ele estava lá, mas não era em qualquer lugar. Beatriz Só o tinha bordado no lado esquerdo do peito. Aquilo era Físico sim, mas não era Carlos.

Era Beatriz, Só.

25.4.09

Olhos com desejo de céu

Meio que repentinamente me olha e pergunta: "Mas o que é que faz o avião voar?"

Foi em um daqueles momentos em que você definitivamente não esta preparado pra uma pergunta profunda desse âmbito. A van que me levava ao destino carioca trilhava seu caminho sobre a ponte enquanto aquele rosto definitivamente com traços nordestinos se fazia do meu rosto alvo.

Os olhos eram de um azul celeste que contrastava em absoluto com sua pele bronzeada, talvez pra refletir o desejo de céu que tinha dentro de si.

E eu, no momento, preocupado com o trânsito e desprovido momentaneamente de qualquer tipo de sensibilidade dei uma resposta qualquer tentando inocentemente apagar o ânimo do rapaz: "As asas?"

Fez uma cara de humildade, com uma pitada de desaprovação e muito de desapontamento. Aquela não era a resposta certa.

"São as turbinas, né? Queria trabalhar com isso. Essa ciência de avião." Dizia com um sorriso infantil bobo, que o ser humano de sexo masculino nunca perde por inteiro.

Voltou a olhar maravilhado pra aquelas turbinas, asas e toneladas que deslizavam com tanta leveza sobre o nada.

"Rapaz, você me deixa no JB?"

22.4.09

Passou

E quando me dei conta vi que a vida era um mundão de coisa pra se fazer que nem dava.

Foi ai que inventei um monte de fórmula com matemática nenhuma pra calcular o que queria e o que não queria fazer.

Ainda nem dava.

Decidi então ser sujeito com pressa de vida, pois que pra quem espera a vida acontecer a vida não acontece.

Passa.

21.4.09

irônia

-ei, tio!
-Estou ocupado e com pressa.
-tô com fome, tio!
-Ih, menino. Tô sem dinheiro nenhum.
-ô, tio dá uma ajuda ai, pô!
-Tenho umas moedas aqui. Toma e me deixa em paz...
-preciso de moeda não, tio. tem nenhuma educação no bolso pra mim não?
-Como é que é?

16.4.09

Acontece de ser verdade

Acontece de ser verdade. É sempre assim.
Foi que hoje é dia diferente.

Aconteceu quando os olhos de descaso, daqueles que se vê tudo menos o que está na frente do rosto, que passarinho passou na frente e despertou o rapaz do transe. Olhou meio que espantado com aquela sensação de lembrança adormecida, os olhos miravam o indicador dormente. 

Acontece que lá nos idos da sua mocidade colocou laço no dedo. Não lembrou o porquê daquilo na hora, mas que aquela sensação fazia bem, ah, isso fazia.

Meio que veio coragem sabe se lá Deus d'onde e o rapaz DECIDIU os sorrisos de seu dia.

Olhou pras caixas cinzentas de janelas que o apertavam no meio, e DECIDIU apontar pro céu.
Era nuvem bonita, sol que brilha, alto de árvore e folha caindo.

DECIDIU que o vento sorria no seu rosto e choveu
DECIDIU que se parasse ficaria mais limpo.

DECIDIU não ouvir pra todos aqueles poetas que arremessavam palavras que não acreditavam.
DECIDIU que essas pessoas eram tristes nem se entendiam direito.
DECIDIU não pensar naquilo.

E, no meio daquilo tudo, com o dedo em riste pra si mesmo, lembrou.

Lembrou daquela criança ruiva de cabelos encaracolados que corria e ralava os joelhos. Que chorava por que tinha medo de crescer e chorou também.

A criança falou: "Moço, você é grande. É feio chorar. Brinca comigo um pouquinho?" 
Ele brincou. 
Ele viu. 
A criança era maior que tudo que ele era ou tinha feito, era ela que guiava seus passos de adulto por aqueles caminhos de asfalto e setas que não apontam pra lugar nenhum.

E foi no meio daquela brincadeira infantil que brotou em seu pensador: A criança não tinha medo de crescer, não que ela soubesse disso na época, colocou o laço pra ele pudesse entender aquilo com olhos de adulto: "Tens o compromisso de lembrar tudo aquilo tu és."

Mais de vinte anos os separavam e mesmo assim DECIDIU agradecer o moleque que nunca largou da sua mão, e sorriram um pro outro.

Tudo iria ficar bem.

13.4.09

Dói

DOEU., E quando foi DOR, os olhinhos apertaram cismando em mastigar tudo quanto era luz em volta.

DOR quando é DOR mesmo faz isso.

fernanda quando DOIA, preferia fechar os olhos e contar até 10.

PATRÍCIA apagava todas as luzes de casa.
PATRÍCIA não morava sozinha.

7.4.09

Boys don't cry

Quando em míudo era de um chororô danado. Até que um dia mamãe repreendeu com aqueles olhos severos, que até hoje só não me castigam melhor do que eu mesmo: "Menino-rapaz, pois não sabe que é muito feio homem ficar chorando? Então aprende a guardar e não fazer em qualquer lugar."

Foi naquele dia que aprendi a ser forte.

Algum tempo depois que nem consigo mais calcular com cabeça de adulto, vi meu pai chorando a primeira vez. A visão daquele homem que sempre foi o meu exemplo de poder e virilidade em um estado tão frágil me causou um impacto que não sei explicar direito até hoje. Havia alguma coisa errada ali, aquilo não era certo. Arregalei os olhos, como acho que sei fazer até hoje, e fiquei assustado e talvez, confesso, um pouco admirado.

Meu pai já tinha aprendido a ser forte e chorava escondido.