2.2.06

meninos não precisam de Deus

Era assim ó: tinham inventado um nome que depois daquilo a pessoa precisava de uma coisa pra continuar, essa coisa se chamava Deus, o nome daquilo era adolescência. Antes disso Deus estava no andar e no riso. Estava no brincar e no comer. Estava no chorar, e principalmente naquele momento de olhar formigas carregando pipocas em suas costas.

Crianças não precisavam de Deus.

E era na casa Dele que a mãe cismava de levar a criança. Era um monte de canto, que gente adulta e chata cismava de chamar de louvor, era umas falações aborrecidas e que não parava, que gente adulta chamava de pregação. Como os adultos gostavam de falar difícil! Será que era complicado ser de verdade e colocar em palavras coisas mais simples. Parecia para a criança que os adultos tinham um montão de palavras para falar da mesma coisa... Ai, que coisa chata!

Naquela hora eles tavam fazendo aquele negócio que chamavam de oração... Na verdade era um monte de gente grande de olho bem fechadinho e fazendo barulhinho engraçado... Ah, nem fechou os olhos. Ficou olhando pra todo mundo. Era um monte de gente que fazia cara engraçada. Era gente velha levantando a mão pro céu.

O melhor era essa parte. Era por que ninguém podia saber que a criança não estava obedecendo. E olhava. E ria baixinho.

E olhava de novo.
E ria gostoso com a mão na boca.

E olhava de novo.
E olhavam pra ele.

Tomou um susto. Tinha sido descoberto. Na outra linha de cadeira tinha olhos abertos também. Eram olhos de criança que tinham olhado os olhos de criança dele.

Sim, existiam outras crianças.

Fechou os olhos bem apertadinhos. E começou a fazer como adultos.

"Desculpa, meu Deus. Desculpa, meu Deus. Desculpa, meu Deus."
Era naquela voz franca e medrosa que as crianças fazem quando tem medo.

No final. Quando todo mundo ia embora. A criança procurou a outra criança.

Não achou.

Será que tinha sido Deus?