30.10.09

oãmartnoc

Gabriel era sujeito de cabeça que se sabia prática.

Pois que ainda em caráter de pequeno aprendeu que o trânsito tinha sentido. A experiência ensinou e ele aprendeu a atravessar a rua olhando para o sentido que os carros vinham.

morreu atropelado na contramão

21.10.09

Momento diário - Liniers

Eu sempre fui uma criança empolgada. É de natureza. Vejo algo que me emociona, ou que me impressiona muito, e quero correr e gritar pros quatro pontos cardeais. Me sinto extremamente responsável em dividir aquilo, o maravilhoso, o genial, com os outros. É como se achasse um absurdo e falta de consideração com aqueles que amo alijá-los de algo tão importante. Tipo um revolucionário exigindo melhor distribuição de renda.

No entanto, no decorrer da idade a gente vai percebendo que aquilo que nos derrete nem sempre os derrete... Por vezes as diferenças de gosto são tão grandes que o espetacular se torna entediante para o outro. Me confesso desanimado com o fato, e por fim acabei aprendendo a guardar essas micro explosões dentro de mim. Acho que isso me ajuda a compreender as religiões que pregam a conversão dos mundanos. Diferente deles escondo meus gritos empolgados com um sorriso tímido no rosto.Vez ou outro acho alguém com espírito parecido comigo, em sincronia em alguns pontos, e me permito, com voz abafada partilhar daquilo que considero importante. É raro, mas acontece.

Mesmo assim é difícil a empolgação ser minimamente equivalente e assim, no meio desse mundo de gente grande com vozes aveludadas, me sinto o escritor e aviador Antoine de Saint-Exúpery. O autor do Pequeno Príncipe tinha dificuldades em encontrar alguém que não confundisse desenho de chapéu com cobra engolindo elefante *.

Mas hoje vou abrir uma pequena excessão e vou espalhar algo que considero brilhante. Que se dane se você não se importar, hoje me permitirei o moleque de cabeleira vermelha que detestava pentear o cabelo e que saia todo destrambelhado tropeçando por ai...

Conheci esse argentino há bem pouco tempo e já sou apaixonado pelo seu trabalho. Meu objetivo na vida é atingir em qualquer coisa que faça o que ele é capaz com suas tiras.



O nome desse artista é Liniers e ele já tem dois albuns traduzidos para a língua tupiniquim. Além disso, pra quem não tiver muito problema com o idioma espanhol, como eu tenho, vale dar uma olhada no seu blog http://autoliniers.blogspot.com/. Atualizado diariamente o desenhista publica uma tira por dia.**

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*Criou-se um preconceito sobre "O Pequeno Príncipe" desde que modelos e top models o apontavam como livro preferido. Eu arrisco em dizer que se essas moças lêem mesmo, e compreendem, o livro não podem ter a cabeça tão vazia como o preconceito dita.

**Apesar de ter problema com o espanhol eu me dobro todo pra conseguir ler suas tiras. É impressionante, mas já tenho percebido evoluir minha compreensão na língua latina..

18.9.09

As três escolhas de felício dos prazeres

Era um rosto que carregava uma expressão de dor sem fim. O sofrimento e a miséria já deixavam marcas bem antes da vida o carregar de tal fardo. O mundo, que era aquilo tudo que saia dos domínios do corpo já estava destinado a assombrá-lo desde antes de entender o que era ser aquilo que ficava do lado de dentro daqueles olhos grandes e sombracelhas arqueadas.

Seu nome era uma daquelas grande irônias da vida, Felício dos Prazeres era tudo menos feliz. Era possível dissertar e criar categorias diversas pro sofrimento só de analisar superficialmente a vida do pobre coitado, mas não dava pra escrever nem uma linha sobre prazer.

felício, morava com mãe e dois irmãos. Metade pra não ouvir mais a mãe reclamar que não fazia nada e metade porque era o que se esperava que fizesse arrumou um serviço como favor de vereador importante. Na verdade nem tão importante assim, se chamava Juca da pipoqueira. O nome do emprego dentro de felício era varredor de chão, mas pra fora preferia o que considerava mais pomposo e de importância: Auxiliar de Serviços Gerais.

-ôxiliar de serviço gerais, ôxiliar de serviço gerais. mas o que é que isso faz, ô felício?
-poquin de tudo, não disse.

E assim, sem nenhuma maiuscula, tratava de mudar de assunto

Não era sujeito de traquejo social, era daqueles que quando tinha folga não saia do boteco da esquina, metade porque era o se esperava que fizesse e metade por que ali era a única forma que conhecia de fugir da própria vida.

Sem ninguém que pudesse chamar amigo, felício ria de todas as piadas que faziam do seu rosto triste quase cômico, metade por que não entendia o que diziam e metade por que era o que se esperava que fizesse. Não se podia dizer que era uma pessoa má, mas também não poderia se dizer que era bom. O mais justo, se é que se tem justiça no que se proseia cá, era dizer que o sujeito era nada.

Numa dessas irônias da vida, eis que aparece na vida do moço Maria Aparecida. Diferente de felício a moça não tinha sido marcada pra tristeza na barriga da mãe, pois ganhou um olhar infeliz só quando descobriu que era por falta de vaga de princesa que acabou por plebéia. Não gostava de felício, mas aceitou casar com ele mesmo assim. E ele casou com ela metade porque queria sair de sua casa e a outra metade porque era o que esperava que fizesse.

Foi um dia desses qualquer, que acontecem todo dia, que felício pela primeira vez na vida cismou ter direito de reclamar da dor de dente que sempre tivera, sabe se lá Deus porque, no trabalho. O chefe, depois de argumentar com aquela razão simples e sem sentido de quem acha que tá sempre sendo passado a perna com um "mas você nunca passou mal antes", viu que era por bem liberar o sujeito mais cedo.

Pois que só assim que felício descobrira a sujeira que vinha acontecendo na sua própria cama há alguns meses. Pois que a família da Maria vinha acobertando a sem vergonhice da moça que arrastava, vejam só, Juca da pipoqueira todos os dias, depois do almoço para a própria cama. Se a família da moça sabia, era porque desde que felício e Maria tinham se casado, moravam em puxadinho.

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Felício naquela hora se decidiu sujeito. Batendo em tudo que era tudo que via pela frente, enquanto o Juca confundia ziper com botão, entrou no quarto com uma faca de pão e desceu o braço no passivo. Era sangue em cama, lençol e travesseiro.

Foi encontrado pela polícia no bar todo ensanguentado. Ninguém ria dele.


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Felício na hora se decidiu sujeito. Como se nada estivesse acontecendo, passou sem quase fazer barulho, coisa que sabia fazer muito bem, mergulhou as roupas dentro da mala e foi se embora catar um dentista e uma vida que fosse pra si mesmo, exatamente nesta ordem.

Diz-se por ai que virou pastor cristão, que vem arrebanhando ovelhas pra Igreja do Santo Milagre do Amanhecer. O vereador está no seu terceiro mandato, com seus três filhos e sua esposa, dona Suelly das Dores. Da Maria Aparecida não se sabe mais.


.............

felício olhou aquilo tudo e ficou sem saber o que fazer. Em um dos seus primeiros momentos de clareza entendeu que aquilo era culpa sua. Pois que não deveria ter chegado em horário que não se esperava que chegasse.

Foi pro boteco da esquina e até hoje fica rindo das piadas sobre si mesmo. Metade porque não as entendia e a outra metade porque só assim esquecia de si mesmo.

Eu tinha começado esse texto há muito tempo mesmo. E agora catando uns escritos mais antigos decidi, por bem, terminá-lo. Não sei se atinjo meu objetivo inicial com ele, mas fico feliz por ter conseguido terminar um texto mais antigo abandonado.
Não são com todos que consigo fazer isso.
=)

14.8.09

Zuleica Maria era infeliz

Feia como que um absurdo, Zuleica Maria explodia palavrões pra fora. Eram impropérios que fugiam, escoavam, escorriam por descaber de dentro da boca. Como que juiza-Deus do que era feio ou belo se danava a recorrer explicações diversas pra afirmar, com a popular ciência de falar mal de algo para se fazer de entendido, que Juju Morazinho nem tinha tamanha belezura como que o digníssimo quero-quero pedro martins.

E enchia o ar com qualquer raivocidade que conseguia tirar de dentro do seu peito enquanto todos aqueles ouvidos vizinhos, já aborrecidos com tantas formas diferentes de se falar a mesma coisa, tentavam captar qualquer outro ruído que fosse.

Tarefa mais impossível não havia e isso era tão fato que nem cabia em jornal de tão pouca importância que tinha.

Era fato, mas não era fatídico.

Fato também era que Zuleica Maria não era cabível em muitas coisas. Além de feia e mal educada. Ela guardava duas coincidências com a família dos suínos. Fazia pouco caso de sabonetes, perfumes, pastas de dentes e afins, e tinha um corpo que só por ser metido a besta chamarei de king sized.

Como que agradescendo pelo possível fato de não ter espelho em casa. Zuleica Maria só fazia esquentar as orelhas da feliz Juju Morazinho. Por mais que a desprovida de qualquer beleza esbravejasse, gritasse, se indignasse Juju Morazinho e pedro martins ficavam cada vez mais felizes com o casório que ia chegando.

Zuleica Maria tinha aprendido há muito tempo a desdenhar do sorriso alheio. Descobriu nessa arte uma maneira de substituir o gosto de vitória que nunca tinha conhecido. Não era como que quisesse Pedro Martins para si mesma. Sabia que não o teria, a pobre nunca tinha feito do coração de outrem presa.

A infeliz não o queria pra ninguém.

No fundo, como qualquer pessoa comum, ela também queria um tantinho só que fosse de poesia na sua vida, mas Zuleica Maria não era religiosa o suficiente pra acreditar no que não pudesse ver.



Essa é meu segundo texto com uma Maria como personagem. Já escrevi sobre a Maria que não era nem feia e nem bonita e agora escrevo sobre a Maria feia. Me empolguei em escrever também futuramente sobre uma Maria bonita. Quem sabe assim fecho a trilogia das Marias.
=)

Pra quem quiser conhecer a outra Maria:
http://empirismoemprosa.blogspot.com/2007/03/ana-maria-da-costa-da-silva.html

30.7.09

Entre pontos e sem vírgulas

.a vida não parou pouquinho para sarar

ainda era quinta feira
o cotovelo se rompe
coloca uma tala

diz adeus para o vento
manda beijos para o nada
e deseja boa sorte para o incerto

era sonho
logo quando se acorda esquece.

24.7.09

Sobre si mesmo

O homem criou casas em volta de si,
O homem vestiu roupas em seu corpo,

O homem olhou para aquilo e não dizia nada sobre si mesmo.

O homem abriu o corpo com bisturi,
O homem descreveu os seus sonhos,
O homem foi para bem longe,

E mesmo assim não fazia a mínima idéia do que poderia ser.

O homem então criou nomes para que pudesse ser chamado de tudo aquilo que não era.
E desistiu de si mesmo.

A história sobre esse texto é estranha. Fui começar a ler Coraline e peguei no sono. Tive um sonho em que procurava algo ou alguém sem ter certeza se inventava ou lia aquilo que acontecia e nesse ponto percebi que não importava se estava inventando ou lendo, a história estava acontecendo. Depois fui sendo perseguido por uma criatura com botões no lugar de olhos e acordei de um susto.

Esse texto apareceu na minha cabeça assim que despertei, provavelmente por ter sido tocado por um trecho do livro onde Coraline e o gato debatem sobre a importância de nomes. Fiquei meio que estático enquanto não registrei isso aqui...

19.7.09

Sistematizando

- Pois então, acho que no mínimo tem que ser uma pessoa extraordinária, sabe? Não quero alguém do senso comum. Uma pessoa com opiniões simples pro que todo mundo acha complicado e que venha com um conjunto de meia dúzia de conclusões loucas pro que todo mundo acha normal, do dia a dia... Tem que ser alguém que me inspire e com quem eu possa ter as conversas mais loucas. Alguém que eu sinta necessidade de ficar conversando horas a fio e que não venha com aquela de "Sobre isso não se fala". Quero vê-la depilando a perna e até cagando, apenas por que aquilo é real. Quero alguém que seja de verdade, mas que não precise provar a sua realidade.
Por que, como o senhor deve saber, o real não é o mediocre.
Ah, também tem que ter sincronia no beijo. Sabe como é, tem que rolar carne na parada. O senhor sabe o que é sincronia no beijo?
Ah, lembrei... Também tem que rolar cumplicidade, por que a cumplicidade...

- Rapaz, o programa tem as suas regras e seu tempo será limitado. Tenho certeza que você pode entender isso

-hmmm, então eu posso dizer...

-Responda apenas: "Procuro alguém que seja sincera, carinhosa e que goste das mesmas coisas que eu."

22.5.09

Aquilo tudo cinza antes do acontecer

Momento cinza: soma de pequenos instantes não passiveis de medida que precendem o movimento on do on/off do computador. E era. Existia O olhar que refletia, julgava, apontava naquela monotonia que era o não acontecer.

E sabia, intuia, conhecia, embora evitava, que cinza também era o pensamento do momento cinza.

Não acontecia
existia?

Turn on: luzes, sons, símbolos e o raio que o parta de tudo que não era, mas por fim era, o despertavam da crédula, consciente e cruel mediocridade que se insinuava sobre si em pantera sensual, piranha e marginal e agressiva e filha da puta.

Era e não era diante daquilo tudo que não é, tem luz e se crê.

ícone+clique(um só, é um Mac)+programa=música, estranho, por vezes a solução de toda uma vida era a canção certa,

Sabia de photoshop e de Coreldraw e desenhou portinhola. Arremessou cadeira de rodinhas e foi com os pés pra lá.

Foi morar na canção e nunca mais foi visto por aqui.

Epílogo: obviamente perdeu a recisão contratual e seu fundo de garantia ficou retido na Caixa Econômica Federal.

Aconteceu
E foda-se por isso!

17.5.09

sol e lua

- Como podes, astro, me alumiar tanto se só me sabes de muito longe?

- É porque te invento.

11.5.09

Os quatros pretendentes da plebéiazinha

Era uma vez uma plebéiazinha*. Um dia muito aborrecida em casa pediu que seu pai assentisse que fosse passear pra longe. O pai que amava muito a sua filha permitiu que ela fosse desde que não passasse da floresta.

A plebéiazinha foi então. No caminho encontrou um princepezinho muito formoso com quem no seu caminho trocou olhares.

Ele não parou,
ela se apaixonou.

Como que era plebéiazinha desandou em chorar e um beija-flor, que na verdade era fada, vendo aquilo tratou de consolar a pobrezinha.

"Menina, não chores. Na quarta vez que ver a pessoa que ama, casarás.
Mas haverá de aproveitar esse tempo, pois que viverá apenas mais um ano depois do acontecimento."

A plebéiazinha não se importou com o pouco tempo e ficou feliz a imaginar o matrimonio.

Eis que o tempo passa e nada do princepezinho aparecer novamente e assim não tardou muito para que a plebéiazinha se sentisse aborrecida mais uma vez. Foi ter com o pai e pediu que a deixasse passear mais longe. O pai, mesmo preocupado com a filha indo tão longe, consentiu que ela fosse desde que não passasse do rio.

A plebéiazinha foi então. No caminho encontrou um poeta cheio de palavras que pediu que se casassem. Ela disse que não, pois esperava que outro viesse e o triste poeta foi-se embora com tristes palavras.

Passado mais algum tempo e a plebéiazinha ficava mais uma vez aborrecida, pois o princepezinho ainda não havia aparecido. Foi ter com o pai mais uma vez procurar conselhos sobre lugares que ainda não havia conhecido. O pai falou que era pra ir se quisesse, mas que achava melhor que não passasse das montanhas.

A plebéiazinha foi então. No caminho encontrou um filósofo cheio de razões que pediu que casassem. Como da outra vez ela respondeu que não, pois esperava que outro viesse e o filósofo foi-se tentando com suas tristes razões entender o triste acontecimento.

Como que não era mais novidade a plebéiazinha ficou mais uma vez aborrecida. Dessa vez não falou com o pai e disse que casaria com o primeiro que passasse o caminho.

A plebéiazinha passou das montanhas dessa vez e cruzando no caminho com um plebeu logo o pediu em casamento. Ele surpreso com o sucedido respondeu da seguinte forma.

"Ó, que acontece mesmo o esperado, pois que nos tempos de minha infância a vi passar no meio de meu caminho e me apaixonei. Na época, mesmo com todo tempo do mundo fiquei sem palavras e com medo preferi seguir meu caminho.

Depois sentei em cima de uma pedra e comecei a chorar, pois achei que nada mais tinha no mundo que pudesse querer. Um beija-flor se comoveu comigo e disse-me que era pra ter paciência, pois seria a dama que viria me pedir em casamento.

Mais tarde, ainda moço, quando me sobravam palavras e me faltavam razões, nossos destinos se cruzaram mais uma vez. Me enchi de coragem, me esvaziei de paciência e pedi sua mão e uma vez você recusou

Depois de algum tempo, quando eu tinha as razões e as palavras certas, por acaso nos encontramos de novo, vendo que a senhora não vinha me oferecer aliança ou coisa que o valha, perdi a paciência e pela segunda vez você recusou meu pedido.

Pois agora vejo que o beija-flor era sábio e não sei se fico feliz ou triste com o sucedido, pois que agora na minha velhice não tenho mais nada pra oferecer a senhora tão formosa."

A plebéiazinha ficou tão feliz com aquilo que sempre foi seu sonho a se realizar que aquele um ano durou mais que sua vida inteira, mais que o sempre. E nunca faltaram palavras, razões ou qualquer tudo para justificar tanta felicidade.

Isso meio que surgiu de minha mente e eu, assaltado, tive apenas o trabalho e a obrigação de registrar. Surgiu influenciado diretamente pelo livro Contos Populares Portugueses que venho lendo.

*Não sei se essa é a grafia certa para "plebéiazinha", mas acontece que gostei de escrever dessa forma e assim ficou.

9.5.09

Gosto de olhar pros meus pés 
lembro que sou responsável por onde chego  

Gosto de olhar pro céu 
descubro até onde minha vista alcança.

26.4.09

Beatriz da Fonte Seca Só

Essa é a história de Beatriz da Fonte Seca e de Carlos Barcas, ou é a história Só da Beatriz da Fonte Seca, já que de Carlos mesmo, o Físico, tem muito pouco. Por outro lado, penso que talvez seja complicado chamar essa história de Só da Beatriz da Fonte Seca, já que a pobrezinha não tinha controle nenhum sobre a forma como os acontecimentos se desenrolavam.

Foi assim que sucedeu.

Beatriz da Fonte Seca Só acontecia quando via Carlos Barcas Físico. As palavras de um eram como que cartas que encontravam destinatário certo no outro. A menina ia somando infinito com infinito e via, sem muito esforço, que se colocasse Beatriz da Fonte Seca com Carlos Barcas em fogo brando juntos em uma panela grande, iria ter um lauto banquete que orgulharia só pelo cheiro. Só.

Acontece que se na conta que tinha feito tinha o infinito, o número de vezes que Beatriz da Fonte Seca e que o Carlos Barcas Físico se encontravam era bem finito. O reduzido era de só umas duas ou três vezes. Só.

Mas Beatriz Só era uma mulher de dotes. Era mesmo, pois além de cozinheira de mão cheia sabia bordar como ninguém. Esses dotes ela não fazia quando era obrigação, só gostava mesmo quando estava inspirada. Só.

Só Beatriz bordava igrejinha em cima de colina tão bonita, o dia tinha sol e núvem, e os convidados ficavam todos dentro do templo que apesar de pequeno dava pra uma infinidade de gente. Tanto era que as mães perdiam suas cabeças enquanto brigavam com as crianças para que ficassem sentadas nos bancos enquanto esperassem. Beatriz ficava do lado de fora, esperando Carlos Imaterial chegar, Só.

Só Beatriz bordava casa com parede pintada de branco com tanto esmero. Tinha grama e cachorro, e as crianças corriam de um lado pro outro dentro da casa arrumada. Era uma gritaria só. Beatriz e Carlos cismaram, na doideira mesmo que é a vida, de terem cinco filhos. Quem disse que era fácil aquela história de procurar aquela criançada toda pra dar banho ou colocar dentro de ônibus escolar? Quando finalmente se conseguia arrumar quatro, uma sumia. Quando achava uma, todas as outras estavam correndo em desalinho. Beatriz esperava na cozinha, Carlos Imaterial chegar do trabalho, Só.

E aquela história que não era da Beatriz de verdade, já tinha tantos bordados que a Beatriz Só percebia que nem lembrava mais do Carlos Barcas Físico. Pois que tinha acontecido a tantos bordados atrás, que ela procurava em vão pelo Carlos Original apenas tentando lembrar do que se tratava aquele monte todo de pano. E foi que Só se encontrou. Só.

Demorou um tanto até que a Beatriz da Fonte Seca encontrasse qualquer Carlos bordado em qualquer canto. Sim, ele estava lá, mas não era em qualquer lugar. Beatriz Só o tinha bordado no lado esquerdo do peito. Aquilo era Físico sim, mas não era Carlos.

Era Beatriz, Só.

25.4.09

Olhos com desejo de céu

Meio que repentinamente me olha e pergunta: "Mas o que é que faz o avião voar?"

Foi em um daqueles momentos em que você definitivamente não esta preparado pra uma pergunta profunda desse âmbito. A van que me levava ao destino carioca trilhava seu caminho sobre a ponte enquanto aquele rosto definitivamente com traços nordestinos se fazia do meu rosto alvo.

Os olhos eram de um azul celeste que contrastava em absoluto com sua pele bronzeada, talvez pra refletir o desejo de céu que tinha dentro de si.

E eu, no momento, preocupado com o trânsito e desprovido momentaneamente de qualquer tipo de sensibilidade dei uma resposta qualquer tentando inocentemente apagar o ânimo do rapaz: "As asas?"

Fez uma cara de humildade, com uma pitada de desaprovação e muito de desapontamento. Aquela não era a resposta certa.

"São as turbinas, né? Queria trabalhar com isso. Essa ciência de avião." Dizia com um sorriso infantil bobo, que o ser humano de sexo masculino nunca perde por inteiro.

Voltou a olhar maravilhado pra aquelas turbinas, asas e toneladas que deslizavam com tanta leveza sobre o nada.

"Rapaz, você me deixa no JB?"

22.4.09

Passou

E quando me dei conta vi que a vida era um mundão de coisa pra se fazer que nem dava.

Foi ai que inventei um monte de fórmula com matemática nenhuma pra calcular o que queria e o que não queria fazer.

Ainda nem dava.

Decidi então ser sujeito com pressa de vida, pois que pra quem espera a vida acontecer a vida não acontece.

Passa.

21.4.09

irônia

-ei, tio!
-Estou ocupado e com pressa.
-tô com fome, tio!
-Ih, menino. Tô sem dinheiro nenhum.
-ô, tio dá uma ajuda ai, pô!
-Tenho umas moedas aqui. Toma e me deixa em paz...
-preciso de moeda não, tio. tem nenhuma educação no bolso pra mim não?
-Como é que é?

16.4.09

Acontece de ser verdade

Acontece de ser verdade. É sempre assim.
Foi que hoje é dia diferente.

Aconteceu quando os olhos de descaso, daqueles que se vê tudo menos o que está na frente do rosto, que passarinho passou na frente e despertou o rapaz do transe. Olhou meio que espantado com aquela sensação de lembrança adormecida, os olhos miravam o indicador dormente. 

Acontece que lá nos idos da sua mocidade colocou laço no dedo. Não lembrou o porquê daquilo na hora, mas que aquela sensação fazia bem, ah, isso fazia.

Meio que veio coragem sabe se lá Deus d'onde e o rapaz DECIDIU os sorrisos de seu dia.

Olhou pras caixas cinzentas de janelas que o apertavam no meio, e DECIDIU apontar pro céu.
Era nuvem bonita, sol que brilha, alto de árvore e folha caindo.

DECIDIU que o vento sorria no seu rosto e choveu
DECIDIU que se parasse ficaria mais limpo.

DECIDIU não ouvir pra todos aqueles poetas que arremessavam palavras que não acreditavam.
DECIDIU que essas pessoas eram tristes nem se entendiam direito.
DECIDIU não pensar naquilo.

E, no meio daquilo tudo, com o dedo em riste pra si mesmo, lembrou.

Lembrou daquela criança ruiva de cabelos encaracolados que corria e ralava os joelhos. Que chorava por que tinha medo de crescer e chorou também.

A criança falou: "Moço, você é grande. É feio chorar. Brinca comigo um pouquinho?" 
Ele brincou. 
Ele viu. 
A criança era maior que tudo que ele era ou tinha feito, era ela que guiava seus passos de adulto por aqueles caminhos de asfalto e setas que não apontam pra lugar nenhum.

E foi no meio daquela brincadeira infantil que brotou em seu pensador: A criança não tinha medo de crescer, não que ela soubesse disso na época, colocou o laço pra ele pudesse entender aquilo com olhos de adulto: "Tens o compromisso de lembrar tudo aquilo tu és."

Mais de vinte anos os separavam e mesmo assim DECIDIU agradecer o moleque que nunca largou da sua mão, e sorriram um pro outro.

Tudo iria ficar bem.

13.4.09

Dói

DOEU., E quando foi DOR, os olhinhos apertaram cismando em mastigar tudo quanto era luz em volta.

DOR quando é DOR mesmo faz isso.

fernanda quando DOIA, preferia fechar os olhos e contar até 10.

PATRÍCIA apagava todas as luzes de casa.
PATRÍCIA não morava sozinha.

7.4.09

Boys don't cry

Quando em míudo era de um chororô danado. Até que um dia mamãe repreendeu com aqueles olhos severos, que até hoje só não me castigam melhor do que eu mesmo: "Menino-rapaz, pois não sabe que é muito feio homem ficar chorando? Então aprende a guardar e não fazer em qualquer lugar."

Foi naquele dia que aprendi a ser forte.

Algum tempo depois que nem consigo mais calcular com cabeça de adulto, vi meu pai chorando a primeira vez. A visão daquele homem que sempre foi o meu exemplo de poder e virilidade em um estado tão frágil me causou um impacto que não sei explicar direito até hoje. Havia alguma coisa errada ali, aquilo não era certo. Arregalei os olhos, como acho que sei fazer até hoje, e fiquei assustado e talvez, confesso, um pouco admirado.

Meu pai já tinha aprendido a ser forte e chorava escondido.

16.3.09

eis o problema de enxergar com canto de olho...

canto de olho faz asa parecer corcunda

mas se canto de olho confunde

olho inteiro machuca

30.1.09

Robores

-mas num eh "robos" qui se diz?
-I eu qui sei? nunca vi dois junto.
-Já viu um só? O.o
-Tamem naum.


...


-Axu qui vai xuvê...
-Pruquê se tá dizeno issu?

-Segundo CARVALHO,

(...)"
encontrando formas de decifrar as ocorrências do meio ambiente através do saber tradicional, observando fenômenos e classificando-os fazendo do “saber selvagem” a porta de entrada das necessidades de viver harmoniosamente com o ecossistema. Neste contexto o sertanejo busca proteção até na religiosidade, na fé, haja vista, Ter como um bom inverno a possibilidade de chover no dia 19 de março – dia de São José. O que fica claro é que as conseqüências trazidas pela seca, faz o sertanejo sair em busca de um leitura dos fenômenos que a natureza proporciona, e com toda sua sabedoria tentar tirar proveito da melhor maneira possível."

-Em http://74.125.47.132/search?q=cache:UL-i-YpmL3UJ:www.nutseca.ufrn.br/AS%2520PREVIS%25D5ES%2520DE%2520CHUVA.doc+Conhecimento+popular+chuva&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=2, acessado em janeiro de 2009